Marketing

O marketing deve estar morto em dez anos

Para Duncan Wardle, ex-VP de Inovação da Disney, a criatividade deve prevalecer em experiências e storytelling para que as marcas continuem a dialogar com os millennials e a Geração Z

Qual é a fórmula da criatividade? Na Disney, ela foi composta pela união de tempo com consumidores, opiniões inusitadas, experiências e storytelling. Nos 13 anos que trabalhou na The Walt Disney Company como vice-presidente de relações públicas da Disneyland Resort, VP global de relações públicas dos parques da Disney e, por fim, VP de inovação e criatividade, Duncan Wardle se dedicou a entender como fomentar melhor a criatividade entre as equipes e as propriedades na companhia e como aprender a ouvir o que o público-alvo não fala e que pode gerar insights para a comunicação.

Para Wardle, o marketing como é conhecido hoje vai acabar dentro de dez anos. Sobressairá, perante ele, a experiência que as marcas podem promover ao consumidor, histórias criativas e de valor emocional e o “social influence”, definição do executivo para o impacto maior que o público-alvo tem ao ver publicações de amigos ao invés de marcas. “Eu acredito que o CMO deveria ser substituído pelo CSO, Chief Storytelling Officer. Seus pais liam para você quando era pequena? Então, nós crescemos com histórias, somos todos contadores de histórias e eu acredito que todos podem tocar o público contando uma grande história e ser relevante a partir disso”, argumenta.

De passagem pelo Brasil para o Universo TOTVS 2019, evento que debateu as principais tendências de tecnologia e negócios do país, Duncan Wardle, que hoje realiza palestras sobre inovação e presta consultoria para marcas, contou ao Meio & Mensagem sobre definições e práticas ligadas a inovação e à criatividade.

Criatividade tem uma definição individual para cada um. Qual é a sua?

Duncan Wardle – Eu acredito que criatividade é a habilidade de ter uma grande ideia. E inovação é a habilidade de fazer essa ideia acontecer. E também acredito que todos somos criativos, não há criativos e não-criativos. Mas eu também acho que, na educação tradicional, somos restringidos a trabalhar essa criatividade e nos dizem que não somos criativos e compramos isso. Quando você era criança e ganhou um presente de Natal grande com uma grande caixa. Com o que você passou o dia brincando? Provavelmente com a caixa, fazendo cabanas, etc.

Você menciona que é importante passar tempo com seu consumidor e que, em uma pesquisa que fez na Disney, os funcionários disseram que tempo é a barreira número um para a criatividade. Por que, então, tempo é tão ligado à criatividade?
Quando crianças, perguntamos “por que?” para tudo. O insight real para inovação vem entre o quarto e o quinto “por que?” e não o primeiro. Então, se você perguntar a alguém por que eles vão nos parques da Disney, eles dirão: “Eu vou pelas montanhas russas”. Isso me diz para criar mais montanhas russas. Mas, se você continuar questionando, vai perceber que o pai só gosta das montanhas-russas porque leva a filha nelas. E isso não tem nada a ver com investimento capital para construir novas montanhas russas e sim com uma campanha de comunicação. Todos os nossos dados apontavam para um consumidor disposto a ir para a Disney, mas eles não vinham.

Esses insights resultaram em uma campanha que aumentou em 20% as vendas e tornou uma cultura product-centric em consumer-centric.
Que prática as empresas podem adotar para fazer a criatividade fluir?
Uma das empresas mais inovadoras do mundo é o Google. O que ele faz que ninguém mais faz? Eles têm a política do 20%. Cerca de 20% da carga horária dos engenheiros é reservada para a reflexão ou o pensamento. Outras práticas recomendadas são dar ferramentas para todos os funcionários serem criativos ao invés de contratar consultores de inovação sob demanda. Outra barreira para a criatividade é nossa expertise, que nos limita a correr riscos. Em toda reunião que eu faço eu trago alguém que não trabalha na minha indústria ou na minha empresa, o que eu chamo de “naive expert” (especialista ingênuo). O papel deles é perguntar a coisa mais audaciosa que todos têm vergonha de perguntar. Isso quebra a tensão da sala e pode gerar grandes ideias.

Quando lançou a conta da Disney no Twitter, Ducan sugeriu que a equipe brincasse com o fato da rede social só permitir 140 caracteres por publicação na época e criou uma hashtag com 140 personagens. Personagens, em inglês, tem a mesma escrita que a palavra caracteres (Crédito: Divulgação/Duncan Wardle)

Qual é a sua percepção sobre a inovação nas empresas brasileiras?
O Brasil, assim como a Índia, é uma cultura muito empreendedora. Eu acredito que o Brasil e a Índia vão ser duas das maiores economias por volta de 2050, porque são países que tem uma cultura empreendedora e não uma cultura de corporação. Ambev é um grande exemplo. Quase toda a liderança da Ambev em Nova York é do Brasil e eles estão tentando mudar a indústria e ela precisa mudar. Eu cresci bebendo cerveja normal, mas eu sou um cara velho e eles estão apostando em cervejas artesanais.

Por que isso?
Experiência. Você deve se lembrar da Betty Boop e Wile E. Coyote. Esses personagens estão todos mortos, não estiveram em filmes ou TV nos últimos tempos, mas ainda estão no imaginário social. Isso porque o Walt Disney criou experiências nas quais você pode tocar os personagens e brincar com suas vassouras. Se nós temos que fazer marketing para as pessoas, isso significa que o produto ou serviço não é bom o suficiente e a próxima geração não vai aceitar isso. Em São Francisco há um museu do sorvete. É só uma experiência, mas é uma ótima experiência. Então acredito que a experiência e o design vão substituir o marketing.

Como colocar isso em prática?
A grande palavra do momento é ser “disruptivo”. Todas as marcas acham que ser disruptivo é se expor mais. Mas, na verdade, fazendo isso elas vão irritar mais o consumidor. A cada três fotos no meu Instagram, uma é anúncio. Na Disneyland eu argumentei que, se temos 25 milhões de visitantes ao ano, não precisamos ficar fazendo mais foto. Se você tem um filho pequeno e eu fizer um anúncio dizendo para você levar ele para a Disney que é seguro, você não vai acreditar. Mas se um amigo seu publicar uma foto do filho pequeno dele na Disney, muda tudo.

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Com todas essas aquisições da Disney (Pixar, Marvel e Fox), não há o risco de uma homogenização da criatividade?

Steve Jobs criou a Pixar com o John Lasseter. Então, quando a Disney quis comprar a Pixar, Steve estava preocupado com a homogenização da Pixar e o Bob Iger [CEO do Grupo Disney] fez um trabalho ótimo para não desqualificar a Pixar. Ela continuou com sua cultura própria. E isso influenciou o George Lucas. Ele queria se aposentar e queria vender suas criações, mas não queria que a Disney alterasse nada. Vendo o que aconteceu com a Pixar, ele decidiu vender sua franquia. Isso, por sua vez, fez com que Stan Lee dissesse: “Aqui estão meus personagens da Marvel. Cuidem bem deles”. O segredo para lidar com todas essas aquisições é deixá-los sozinhos.

Você tem mais a aprender da cultura deles, que também são storytellers e empreendedores.

Créditos: Meio&Mensagem